Algumas pessoas encontravam conforto na rotina. Ele não. Detestava a rotina com todas as forças que lhe restavam. As mesmas coisas todos os dias, as mesmas coisas todos os anos. Datas marcadas, horas a respeitar, o dia a seguir à noite a seguir ao dia. Estava velho. Se lhe perguntassem, diria que achava que já tinha vivido o suficiente. Aliás, era coisa que ele dizia amiúde, mesmo sem ninguém lhe perguntar. Não sabia bem porque haveria ele de agradecer a Deus o acordar todas as manhãs, em vez de se apagar durante o sono como acontecera à mulher, uns anos antes. Como agradecer a Deus ter-lhe levado a mulher, deixando-o sozinho no mundo à mercê da rotina?
Os anos tinham-lhe trazido alguma clareza às coisas, e ele sabia que aquela solidão era culpa sua. Nunca fora uma pessoa que as outras achassem agradável. A mulher era uma santa, e talvez por isso Deus a viera buscar sem aviso, achando porventura que ela suportara o suficiente em vida. Aturá-lo não era fácil. Os filhos tinham fugido assim que lhes fora possível e evitavam-no tanto quanto a consciência lhes permitia. Ou seja, o ano inteiro. Com uma excepção apenas, que era também o único elo fraco na sua aversão à rotina. O Natal…
O velhote adorava o Natal. Mesmo sabendo que era apenas mais uma daquelas ocasiões programadas que vinham marcadas no calendário, sabia que quando a altura chegasse, iria rever os filhos. Mais importante ainda era a oportunidade de rever os netos. Os filhos, esses, evitavam-no o ano inteiro. E ele lá compreendia as suas razões. Não fora o melhor dos pais. Não fora sequer dos mais ou menos razoáveis. Mas isso já lá ia, e não tinha como corrigir os erros do passado. Com os netos ele podia, de alguma forma, ter uma segunda chance. E era a isso que ele ainda se agarrava na vida. Um ano inteiro à espera de estar com os netos.
Por eles, suportava a frieza e o embaraço dos filhos. A nora até era simpática com ele. Um ano ficava na casa do filho mais velho, no outro na casa da filha. Mas não importava onde dormia, na noite de natal todos se reuniam e ele podia estar com os netos. E não se deixava apoquentar com o gradual adiar do convite, cada ano que passava, o telefonema chegava mais em cima da hora. Como se fosse cada vez mais difícil aos filhos negociar com quem ele ficaria dessa vez. Não importava porque, com toda a dignidade que a velhice lhe permitia, ele esperava pela chamada, e contava pelos dedos os dias. O Natal já aí vinha…