Terça-feira, 11 de Dezembro de 2007

O Natal já aí vem...

Algumas pessoas encontravam conforto na rotina. Ele não. Detestava a rotina com todas as forças que lhe restavam. As mesmas coisas todos os dias, as mesmas coisas todos os anos. Datas marcadas, horas a respeitar, o dia a seguir à noite a seguir ao dia. Estava velho. Se lhe perguntassem, diria que achava que já tinha vivido o suficiente. Aliás, era coisa que ele dizia amiúde, mesmo sem ninguém lhe perguntar. Não sabia bem porque haveria ele de agradecer a Deus o acordar todas as manhãs, em vez de se apagar durante o sono como acontecera à mulher, uns anos antes. Como agradecer a Deus ter-lhe levado a mulher, deixando-o sozinho no mundo à mercê da rotina?
Os anos tinham-lhe trazido alguma clareza às coisas, e ele sabia que aquela solidão era culpa sua. Nunca fora uma pessoa que as outras achassem agradável. A mulher era uma santa, e talvez por isso Deus a viera buscar sem aviso, achando porventura que ela suportara o suficiente em vida. Aturá-lo não era fácil. Os filhos tinham fugido assim que lhes fora possível e evitavam-no tanto quanto a consciência lhes permitia. Ou seja, o ano inteiro. Com uma excepção apenas, que era também o único elo fraco na sua aversão à rotina. O Natal…
O velhote adorava o Natal. Mesmo sabendo que era apenas mais uma daquelas ocasiões programadas que vinham marcadas no calendário, sabia que quando a altura chegasse, iria rever os filhos. Mais importante ainda era a oportunidade de rever os netos. Os filhos, esses, evitavam-no o ano inteiro. E ele lá compreendia as suas razões. Não fora o melhor dos pais. Não fora sequer dos mais ou menos razoáveis. Mas isso já lá ia, e não tinha como corrigir os erros do passado. Com os netos ele podia, de alguma forma, ter uma segunda chance. E era a isso que ele ainda se agarrava na vida. Um ano inteiro à espera de estar com os netos.
Por eles, suportava a frieza e o embaraço dos filhos. A nora até era simpática com ele. Um ano ficava na casa do filho mais velho, no outro na casa da filha. Mas não importava onde dormia, na noite de natal todos se reuniam e ele podia estar com os netos. E não se deixava apoquentar com o gradual adiar do convite, cada ano que passava, o telefonema chegava mais em cima da hora. Como se fosse cada vez mais difícil aos filhos negociar com quem ele ficaria dessa vez. Não importava porque, com toda a dignidade que a velhice lhe permitia, ele esperava pela chamada, e contava pelos dedos os dias. O Natal já aí vinha…
                            
                 
publicado por spacecowboy às 01:30
link | favorito
Comentar:

Mais

Comentar via SAPO Blogs

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

.sobre mim


. ver perfil

. seguir perfil

. 2 seguidores

.Junho 2010

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
27
28
29
30

.posts recentes

. T 3 !!!!!!!!!!!!!

. IV Festival da Sardinha B...

. E PLURIBUS UNUM

. Habemus Campione!!!!

. da Zambujeira do Mar

. IV Festival da Sardinha B...

. Ser Benfica

. Alegria

. stylo

. Moscatélico Roxo

. Peniche

. a lei do mais forte

. surround me

. |dis|equilibrium

. Pearl Jam - Just Breathe

. signs

. teorias

. entre livros...

. Feliz Natal

. kalashnikeijo

. Escaroupim

. Vai-se Andando no Casino ...

. já está!

. words

. entre livros...

.arquivos

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

.links

.tags

. todas as tags

.pesquisar

blogs SAPO

.subscrever feeds